De segunda a quarta-feira desta semana (18 a 20 de junho), ocorrerá a Conferência Nacional de Transtornos do Espectro Autista no Centro de Ciências da Saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse evento é totalmente gratuito, com conteúdo abrangente, reunindo profissionais, estudantes e interessados pela área. A ideia é promover um debate amplo e interdisciplinar sobre o assunto.

No primeiro dia do evento (18), o Dr. Juan Clinton Llerema Júnior, (médico, geneticista clínico e pesquisador da Fiocruz) discutiu, em sua fala, como fatores genéticos e do acaso contribuem para o desenvolvimento do autismo. E, claro, nós do NeuroPod prestamos bastante atenção!

Os transtornos do espectro autista (TEA) apresentam-se mais frequentemente em homens. Apesar de poderem surgir de forma mais constante em algumas famílias, essas síndromes não escolhem classe social, raça ou local de origem, podem afetar qualquer um. De fato, esses transtornos possuem uma herança familiar complexa e, só uma teoria que inclua múltiplos fatores poderá explicar o que os originam.

Em sua palestra, Dr. Llerema deu o exemplo dos irmãos gêmeos. Irmão gêmeos idênticos, ou monozigóticos, possuem 100% de similaridade genética, ou seja, seus genes são praticamente iguais. Porém, qualquer um que tenha convivido com gêmeos idênticos sabe que eles não são tão “idênticos” assim – apesar de muito parecidos, é possível diferenciá-los, seja em sua personalidade, modo de falar ou de se vestir, ou até nas suas aptidões e talentos. Conforme crescem, gêmeos monozigóticos podem também apresentar vulnerabilidades diferentes a determinadas doenças, dependendo de fatores do ambiente: como estilo de vida, hábitos alimentares e o ambiente social. Com isso, torna-se claro que, várias de nossas características são moldadas ao longo da nossa vida, através de cada uma de nossas experiências, independentemente de nossas tendências genéticas.

Uma doença que se origine exclusivamente de uma modificação genética hereditária deve, por conceito, manifestar-se em concordância em gêmeos monozigóticos: se um irmão apresenta a doença, o outro gêmeo obrigatoriamente deve exibi-la. Isso não acontece no autismo, somente cerca de 88% dos gêmeos idênticos são concordantes nesse aspecto. Entretanto, se o transtorno não possuísse nenhum componente genético, apenas ambiental, a concordância entre os gêmeos deveria ser semelhante a prevalência dos TEA na população em geral (1%). Ou seja, a concordância entre gêmeos autistas é superior a do “acaso”, mas também não é explicada integralmente pela genética; então o que explica? Na verdade, os componentes ambientais e genéticos se somam, interagem de maneira complexa. Em sua palestra o Dr. Llerema explicou: Ao estudar famílias com vários portadores de TEA, mais de 1.000 genes diferentes foram relacionados, mas não há uniformidade entre as famílias!

Para além da genética, eventos durante a gestação e durante toda a nossa vida são capazes de modificar a expressão dos nossos genes, em uma espécie de mecanismo de “ON” e “OFF”. O nosso material genético fica normalmente empacotado no núcleo de nossas células, enrolado como um novelo de lã em proteínas chamadas histonas. Porém, se o empacotamento for muito grande, os genes ficam escondidos, e por isso inativos (“OFF”). As histonas podem sofrer modificações ao longo da vida que “escondem” os genes, inativando-os, ou os mostram, permitindo sua ativação. Ou seja, mesmo que se possua determinado gene, ele pode estar inativo e só se tornar ativo quando algo externo o acionar, modificando seu empacotamento nas histonas – tal evento pode nunca acontecer!

Fenômenos como este recebem o nome de epigenética. Apesar de serem passíveis de alteração ao longo da vida, ainda sim são hereditários. A epigenética vem sido implicada em muitas doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, psiquiátricas, como a depressão e, também em transtornos do desenvolvimento, como o autismo e a esquizofrenia. Esses mecanismos podem explicar porque gêmeos idênticos são discordantes quanto ao autismo. Variadas condições tem sido descritas como capazes de modificar a ativação de nossos genes por vias epigenéticas, como a inflamação, infecções ao longo da vida, drogas de abuso e até mesmo o estresse. É claro que muito ainda precisa ser pesquisado, pouco se sabe sobre esse ramo tão novo da ciência e é difícil estabelecer causas e consequências. Por enquanto, vamos ter que nos contentar com uma explicação vaga e complexa que inclui fatores genéticos, ambientais e o acaso agindo em conjunto.

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