No episódio do NeuroPod deste mês abordamos a estimulação cerebral profunda, ou Deep Brain Stimulation (DBS), para o tratamento de diversas doenças. Essa técnica se baseia na implantação de pequenos eletrodos em regiões cerebrais específicas. Por meio de estímulos elétricos controlados, esses eletrodos são capazes de aumentar ou diminuir a atividade cerebral ao seu entorno (leia mais clicando aqui). O interessante é que esse efeito além de muito específico, é imediato, cessa-se assim que o aparelho é desligado.

O DBS já vem sendo utilizado para tratar diversas doenças, como distonias, tremor essencial, doença de Parkinson e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Um paciente holandês, sob tratamento com DBS para este último caso, levou os cientistas a uma descoberta inesperada: o paciente, além de não precisar mais de seus medicamentos psiquiátricos após a implementação do aparelho, também melhorou de sua diabetes do tipo 2!

A diabetes do tipo 2 é uma doença sistêmica que se desenvolve quando o corpo se torna muito tolerante a insulina, um hormônio liberado pelo pâncreas e que sinaliza a presença de açúcar. Com isso, o paciente passa a acumular grandes quantidades de glicose no sangue (hiperglicemia). A alta concentração de glicose torna-se tóxica, podendo causar danos aos nervos, aos rins, à retina e causar doenças cardiovasculares. Se não controlada, a diabetes pode ter consequências severas, que incluem a morte. A resistência à insulina também está por trás de outras doenças, como a obesidade. Mas o que isso tudo tem a ver com o cérebro?

Já é sabido que o cérebro tem sua participação no controle dos níveis de açúcar no sangue, mas os mecanismos por trás disso ainda não são bem compreendidos. Como em um quebra-cabeça, as peças ainda estão se juntando:

  1. O hipotálamo é uma região cerebral que tem papel importante no controle da glicemia.
  2. O estriado, outra região do cérebro, também tem despertado interesse pois ele está envolvido na motivação e obesidade.
  3. O núcleo accumbens é uma pequena região do estriado que se conecta com o hipotálamo, ele está envolvido na motivação, sensação de recompensa, prazer e até no vício. Essa região também responde aos níveis de glicose, se tornando mais ou menos ativa com sua presença.
  4. Muitos neurônios dessas regiões se comunicam através da liberação de dopamina, uma molécula que serve de sinal – como um mensageiro – levando uma informação de uma célula para outra.
  5. A sinalização de dopamina está prejudicada em pacientes obesos diabéticos e melhora após a cirurgia bariátrica e redução de peso.
  6. As áreas estimuladas pelo DBS no tratamento do TOC são justamente ao redor do núcleo accumbens, e levam a maior liberação de dopamina no estriado.

Vocês conseguem perceber onde queremos chegar com isso? Então vamos continuar com nossa brincadeira de detetive!

O paciente holandês do início da história, além de sofrer com TOC desde sua infância, também se tornou obeso e possui diabetes do tipo 2 desde os 48 anos de idade. Aos 53 anos, implementou o DBS no estriado como tratamento psiquiátrico. De forma inesperada, após, ele pôde diminuir consideravelmente as doses de seu medicamento para diabetes. Será que esse efeito surpreendente se deve ao aumento da liberação de dopamina nessa região do cérebro?

Bem, de fato, essa peça encaixaria bem no nosso quebra-cabeça. Para testar isso, cientistas holandeses avaliaram a resposta à insulina (hormônio que controla a glicose) de outros 14 pacientes com TOC, que tinham o DBS implementado na mesma região cerebral, porém não possuíam diabetes. As respostas dos pacientes foram analisadas com o aparelho de DBS ligado ou desligado, isto é, com a liberação de dopamina no estriado estimulada ou não. Mesmo nos pacientes não-diabéticos, a estimulação no estriado cerebral melhorou a resposta à insulina, ou seja, o controle da glicose no corpo todo.

Se a liberação de dopamina no estriado melhora o controle da glicose através do aumento da resposta à insulina, poderíamos imaginar que a diminuição de dopamina nessa região teria um efeito oposto? Deixaria o corpo mais resistente à insulina? Para testar essa hipótese, os cientistas reduziram drasticamente a quantidade de dopamina do corpo de 10 voluntários saudáveis, (de forma transitória, é claro). De fato, a falta de dopamina prejudicou a sensibilidade do corpo à insulina e o controle dos níveis de glicose nesses indivíduos. Bem, parece mesmo que a dopamina liberada lá no estriado do cérebro é capaz de controlar os níveis de glicose do corpo todo.

Isso quer dizer que o DBS pode ser utilizado para controlar a diabetes? Provavelmente não. Mas esse estudo, publicado no mês de maio em uma revista científica americana, mostra um caminho em que a sinalização de dopamina lá no estriado cerebral controla a resposta à insulina e os níveis de glicose no corpo todo em humanos. Quem sabe no futuro, medicamentos menos invasivos e que tenham como alvo a dopamina cerebral não possam ser desenvolvidos para o controle da diabetes?

Fonte: der Horst et al., Sci. Trans. Med., 2018. DOI: 10.1126/scitranslmed.aar3752

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