Vários modelos animais vem sido usados como forma de investigar os efeitos da dieta na cognição. Em muitos estudos humanos são encontradas correlações entre obesidade e diversas doenças cardiovasculares e psiquiátricas, principalmente quando a obesidade crônica acontece durante a adolescência, fase em que o cérebro ainda se encontra em desenvolvimento.

Na adolescência o córtex pré-frontal – tido como muitos a região do cérebro que nos auxilia na tomada de decisões racionais ainda não se desenvolveu completamente; durante essa fase a amígdala acaba sendo mais utilizada para a tomada de decisões, região que processa emocionalidade. Daí a ideia da adolescência cheia de emoções e pouco racional (o que explica muita coisa, não é mesmo?). Essas não são as únicas regiões que estão sofrendo modificações durante essa fase e é também por isso que o consumo de drogas como álcool e cigarro são proibidas para adolescentes; seu consumo pode levar a alterações de longo prazo em circuitos neurais. A dieta rica em açúcares e gorduras também é preocupante e está correlacionada com um aumento na ansiedade, depressão e nos efeitos negativos do estresse na vida adulta.

O problema de estudos com seres humanos é que é difícil isolar outras variáveis (como condição sócio econômica, eventos traumáticos, etc) da dieta. Daí essencial o uso dos modelos animais, que além de nos ajudarem a entender como a dieta pode causar esses efeitos no cérebro, também auxilia no entendimento do quanto desses efeitos podem ser revertidos na entrada da vida adulta. Isso mesmo, estamos falando de efeitos permanentes do consumo de açúcares durante a infância/adolescência.

Um estudo publicado na revista cientifica Brain, Behavior and Immunity em fevereiro desse ano administrou uma dieta semelhante à ocidental, com altos níveis de açúcar e gordura em roedores. Essa intervenção foi realizada durante a adolescência dos animais (quando eles alcançam 21 dias de vida), na idade adulta a dieta é interrompida e seus efeitos nos animais são observados através de testes comportamentais.

Para o estudo de ansiedade os animais são colocados em uma caixa e um som é administrado junto a um choque elétrico de baixa intensidade (Figura 1). O animal acaba associando o som ao choque e quando retorna a caixa no dia seguinte ele demonstra um comportamento de medo sempre que escuta o som – independente de haver choque ou não, porque sua memória associa os dois fenômenos. Após dias retornando a mesma caixa, o animal com dieta normal deixa de responder com medo ao estímulo de som, porque nosso cérebro é plástico o suficiente para se adaptar a nova situação e extinguir a memória de associação do som ao choque. O problema é que nos animais que consomem a dieta ocidental essa memória não é extinta e eles continuam demonstrando comportamento de medo dias depois – sugerindo maior susceptibilidade aos efeitos do estresse com uma dieta rica em açúcares e gorduras durante a adolescência. A pior parte: mesmo quando essa dieta é interrompida na idade adulta.

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Figura 1

Esse grupo de animais apresenta ainda maior comportamento ansioso em testes comportamentais e também maior comportamento ansioso pós-estresse. Sendo que a ansiedade é um fator de risco para o desenvolvimento de depressão.

O estudo é interessantíssimo porque nos permite isolar o efeito do consumo da dieta ocidental durante a adolescência e observa um efeito direto em comportamentos do tipo ansioso e maior susceptibilidade ao estresse. Além disso, atenta para os perigos do consumo exagerado de açúcares e gorduras a longo prazo em um período crítico do desenvolvimento (infância e adolescência).

Os estudos em animais não devem ser nunca diretamente aplicados para seres humanos e mais estudos precisam ser feitos. Mas dados outras correlações e estudos na literatura, os pediatras alertam para o consumo exagerado de doces e gorduras na infância e adolescência.

Referência:

Exposure to an obesogenic diet during adolescence leads to abnormal maturation of neural and behavioral substrates underpinning fear and anxiety. Vega-Torres JD, Haddad E, Lee JB, Kalyan-Masih P, Maldonado George WI, López Pérez L, Piñero Vázquez DM, Arroyo Torres Y, Santiago Santana JM, Obenaus A, Figueroa JD. Brain Behav Immun. 2018 May;70:96-117. doi: 10.1016/j.bbi.2018.01.011. Epub 2018 Feb 8.

Figura adaptada de: Freezing response-independent facilitation of fear extinction memory in the prefrontal cortex. Jiso Hong & Daesoo Kim. Scientific Reports volume 7, Article number: 5363 (2017).

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