Estudos independentes mostram conexão entre a infecção pelo vírus da Herpes em diferentes estágios de vida e essas doenças.

Infecções ao longo da vida ou mesmo durante a gestação podem aumentar o risco para o desenvolvimento de determinadas desordens psiquiátricas ou neurodegenerativas. Como o vírus da influzenza ou da rubéola, por exemplo, cujas infecções durante a gestação podem aumentar o risco de aparecimento de esquizofrenia na adolescência. O vírus do sarampo pode ocasionar um quadro de encefalite neurodegenerativa em até 10 anos após a infecção inicial. Da mesma forma, a infecção pelo vírus da Herpes vem sido associada ao transtorno bipolar. Grande parte da população humana é infectada por algum subtipo do vírus da Herpes, que pode permanecer em um estado latente (sem infecção aparente) em diversos órgãos com reativações periódicas. Os subtipos do vírus da herpes HHV-6A e HHV-6B são sabidamente neurotrópicos, ou seja, infectam preferencialmente o tecido nervoso.

Em um estudo multinacional publicado na revista científica Frontiers in Microbiology, os pesquisadores analisaram 164 amostras do cérebro após a morte de pacientes com depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia ou de indivíduos saudáveis como comparação. Mais especificamente, eles analisaram o cerebelo, região do encéfalo que possui diversas funções, como coordenação motora, equilíbrio, postura e também influencia nas emoções, na memória, na percepção e na linguagem. Há alterações no cerebelo de pacientes com esquizofrenia e o mesmo escontra-se menor em pacientes com transtorno bipolar ou depressão.

Os pesquisadores perceberam que o vírus da Herpes subtipos HHV-6A e 6B concentram-se mais nas células de Purkinje de pacientes com depressão ou transtorno bipolar, mas não com esquizofrenia, em relação aos indivíduos saudáveis. As células de Purkinje são neurônios muito ramificados encontrados no córtex do cerebelo. Elas secretam um neurotransmissor chamado GABA, que inibe a transmissão sináptica de neurônios que recebem seu sinal. Essa sinalização é muito importante no controle motor, sua perda está associada à síndrome do alcoolismo fetal e ao autismo. Embora não houvesse diferença na quantidade de vírus total encontrada, havia mais proteína e DNA viral nas células de Purkinje desses pacientes em relação aos indivíduos saudáveis, que sugeririam uma infecção ativa nelas. A infecção específica das células de Purkinje sugere uma infecção prematura, ainda durante o desenvolvimento do sistema nervoso. Além disso, os pesquisadores também viram que os neurônios infectados tinham menor tamanho e havia produção de fatores inflamatórios relacionados a infecção.

Em um outro estudo publicado a mesma época por pesquisadores americanos na revista científica Neuron, a infecção pelo vírus da Herpes foi associada a doença de Alzheimer. Nesse estudo foram analisadas centenas de amostras de cérebros de indivíduos saudáveis, indivíduos com Alzheimer pré-clínico e pacientes com a doença de Alzheimer. A doença de Alzheimer é caracterizada pelo acúmulo de proteína beta-amiloide no cérebro, formando os “corpos senis”. No Alzheimer pré-clínico, os cérebros apresentam corpos senis, porém o paciente ainda não apresenta os sintomas, ou seja, estaria em um estágio intermediário da doença. Nos cérebros de pacientes com Alzheimer pré-clínico havia ativação de vias relacionadas a defesa anti-viral, e fez com que os pesquisadores avaliassem mais a fundo a presença de vírus nos pacientes no estágio mais avançado da doença.

Os pesquisadores observaram maior quantidade de diversos vírus, especialmente o da Herpes (HHV-6A e HHV-7), nos cérebros de pacientes com doença de Alzheimer em relação aos controles. Os cérebros dos pacientes possuiam maior ativação de vias relacionadas a inflamação e defesa antiviral. Além disso, os pesquisadores viram que especialmente os vírus da Herpes modulam vias que podem, por si só, gerar o acúmulo de beta-amiloide e morte neuronal. Em conjunto, esses achados reforçam a hipótese de que a infecção viral no cérebro contribui para o surgimento da doença de Alzheimer.

A hipótese hoje mais aceita é que, infecções durante a gravidez ou logo após o nascimento, virais ou bacterianas, abalariam a comunicação entre o sistema nervoso em desenvolvimento e o imunológico. Isso acarretaria em um quadro alterado de inflamação no cérebro, que poderia levar ao desenvolvimento de transtornos tardiamente, como os transtornos de humor, autismo e a esquizofrenia. Por outro lado, eventos pontuais ou repetitivos durante a vida de um indivíduo, como estresse, uma contusão ou mesmo infecções, poderiam ainda gerar uma resposta inflamatória danosa, crônica, no cérebro, que desencadearia depressão ou doenças neurodegenerativas. Dependendo do estágio de vida em que a infecção ocorreria, do subtipo viral e de componentes genéticos e de estilo de vida do indivíduo, ele se tornaria mais, ou menos, capaz de lidar de forma satisfatória com a infecção e mais, ou menos, susceptível a desenvolver determinadas doenças.

 

Fontes:

Prusty et al., Frontiers in Microbiology, 2018. doi: 10.3389/fmicb.2018.01955

ReadHead et al., Neuron, 2018. https://doi.org/10.1016/j.neuron.2018.05.023

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