Já se sabe há muito tempo que nosso cérebro possui um “sistema de GPS”. Afinal, nós seres humanos conseguimos nos localizar no espaço muito bem. Para ilustrar esse fato vamos realizar o seguinte exercício: imagine que você precisa chegar do ponto A ao ponto B. Geralmente você costuma utilizar um caminho específico passando sempre por C antes de chegar ao destino final (como na figura abaixo). Se algum dia você quiser realizar um “caminho alternativo”, seu cérebro guardou informações o suficientes sobre o trajeto e sua localização de forma a sugerir uma direção a ser tomada, como passando pelo ponto D (figura abaixo). E seu cérebro é capaz de fazer isso mesmo que você nunca tenha ido ao ponto D. Isso acontece devido a uma região especifica do seu cérebro, o hipocampo, que consegue armazenar informações sobre sua velocidade, sua direção e sua localização utilizando majoritariamente pistas visuais. Como o nosso cérebro é capaz de fazer isso? O enigma foi descoberto recentemente, culminando com um prêmio nobel de medicina em 2014 a três cientistas: John O’ Keefe, May-Britt Moser, e a Edvard I. Moser.

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A região do hipocampo inicialmente foi apontada por possuir um papel na localização espacial através de experimentos de lesões em camundongos. Animais lesionados nessa região perdiam a capacidade de se localizar espacialmente, além de apresentarem danos de memória. Em 1973, John O’ Keefe utilizou uma técnica para medir a atividade elétrica de neurônios hipocampais isoladamente. Isso foi feito em camundongos que se locomoviam livremente em uma caixa quadrangular (Figura 2A). Ele encontrou um grupo celular que entrava em atividade elétrica apenas quando o animal se encontrava em um local específico no aparato; e toda vez que o animal se encontrava nesse local.  Ele as denominou “place cells”, do inglês, células de lugar (Figura 2B).

Essas células não só marcavam um determinado local no ambiente, mas elas possuíam uma atividade elétrica que acompanhava a velocidade que o animal usava para se locomover naquela região. Se o animal aumentasse a velocidade, as células place aumentavam sua atividade. Se o animal reduzisse sua velocidade, as células place diminuíam sua atividade.

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Figura A. Camundongo em aparato quadrangular circulando livremente enquanto sua atividade elétrica hipocampal é medida. B. Células place, só possuem atividade elétrica quando o animal passa em um mesmo local no quadrante, pontos vermelhos indicam localização do animal no aparato e marcação vermelha indica local onde animal teve maior atividade elétrica de determinada célula place. C. células grid que contém atividade quando o camundongo passa por vários locais do mesmo aparato. D. células de borda, contém atividade toda vez que o animal se encontra na borda do aparato. (Não mostrado na figura) Células de direção da cabeça, possuem atividade toda vez que o animal posiciona a cabeça em determinada direção.

Após a descoberta de O’ Keefe, a pesquisadora May-Britt passou a estudar a mesma região do hipocampo. Novamente várias outras células que auxiliavam na localização espacial foram encontradas: células de borda, que possuem atividade sempre que um animal se encontra na borda de uma região (figura 2 D), demarcando limites em um determinado espaço; células de direção da cabeça, essas células possuem atividade toda vez que a cabeça do animal se encontra apontada para determinada direção.  É interessante lembrar que quando nos localizamos espacialmente utilizamos as informações de direção, borda, localização e velocidade em conjunto e não separadamente. Portanto, existem células intermediárias que recebem informações dessas primeiras células, integrando a informação. Isso quer dizer que apesar de existir uma representação de espaço (células place) separada da representação de direção (células de direção da cabeça), existem células que integram essa informação, possuindo atividade quando o animal se encontra em determinado lugar e sua cabeça está apontada em determinada direção (atividade de células place + células de direção da cabeça).

Um outro conjunto de células também foi encontrado na região hipocampal as chamadas células grid. Essas células apresentam atividade elétrica em vários locais de uma mesma região (veja Figura 2C). Acredita-se que essas células servem para nos dar uma representação geral do local onde nos encontramos, como uma representação do ambiente como um todo. De fato, em experimentos utilizando animais, as células grid perdem sua atividade quando não há luz no ambiente.

Possuindo esse complexo sistema de células em nosso hipocampo e córtex entorhinal é interessante compreender como conseguimos integrar toda essa informação e gerar nosso mapa cognitivo. Apesar dessa história parecer estar completa ainda existe muito o que se descobrir sobre a atividade hipocampal e seu papel na memória e na localização espacial.

Fontes: Nobel prize lecture May-Britt Moser

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