Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro estudam os impactos da infecção pelo vírus da Zika em adultos. Da esquerda para direita, Dra. Claudia Figueiredo e sua aluna de doutorado, Fernanda Barros-Aragão, autoras principais do estudo.

A infecção do cérebro adulto gera grande inflamação que pode resultar em problemas cognitivos e motores.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) demonstraram que o vírus da Zika tem a capacidade de infectar o cérebro de adultos. Em camundongos, essa infecção gera uma inflamação no cérebro que prejudica o controle motor e, principalmente, a memória dos animais. Os pesquisadores alertam para necessidade de se avaliar a memória de pacientes que contraem o vírus, principalmente dos que apresentarem manifestações neurológicas junto à doença.

O vírus da Zika ganhou atenção mundial devido às graves consequências de sua infecção durante a gravidez, incluindo a microcefalia. Apesar de, historicamente, ser visto como responsável por sintomas leves em adultos, a infecção por esse vírus foi recentemente associada a complicações neurológicas severas nesses pacientes, como inflamações do cérebro e medula espinhal (encefalite/encefalomielite) e síndrome de Guillain-Barré (doença autoimune onde o sistema imunológico do paciente ataca os próprios nervos causando dor e fraqueza muscular).

Inclusive, o vírus da Zika já foi encontrado no cérebro e líquor (líquido que banha o sistema nervoso central) de pacientes infectados e acometidos por doenças neurológicas. Entretanto, a despeito dos fortes indícios clínicos, não estava claro se, uma vez no cérebro adulto, o vírus da Zika teria a capacidade de estabelecer uma infecção no local ou se os vírus ali encontrados advinham de outros órgãos infectados. Por isso, os pesquisadores brasileiros buscaram entender se o vírus da Zika é capaz de infectar diretamente o cérebro adulto e quais seriam as consequências de tal infecção.

Primeiramente, os cientistas colocaram uma porção de tecido de córtex de cérebro humano, cultivado em uma placa em laboratório, em contato com o vírus da Zika. O vírus infectou o tecido e atingiu principalmente neurônios. Mas quais são as consequências dessa infecção? Para responder a essa pergunta, os cientistas injetaram o vírus diretamente no cérebro de camundongos. A Dra Claudia P. Figueiredo, professora da Faculdade de Farmácia (UFRJ) e autora principal do estudo explica: “Os resultados da clínica sugerem que o vírus da Zika chega ao cérebro de pacientes adultos. Os nossos resultados mostraram que ele também pode infectar este órgão. Então, nos perguntamos, uma vez que ele está no cérebro e estabelece uma infecção, o que acontece?” – Os animais infectados permaneceram aparentemente bem, porém apresentavam danos na memória que duravam até um mês – “Vale ressaltar que, um mês na vida de um animal que vive cerca de dois anos, é bastante tempo!”

Apesar de infectar preferencialmente neurônios, a presença do vírus provoca uma inflamação que ativa um tipo de célula do sistema imunológico que reside no cérebro, as micróglias. O Dr. Sérgio T. Ferreira, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), coordenador do estudo, explica que essa inflamação é ultimamente responsável pela perda das funções cognitivas observadas nos animais – “Os neurônios comunicam-se entre si em regiões especializadas chamadas de sinapses. As micróglias quando ativadas atacam as sinapses, dificultando a comunicação entre os neurônios e, consequentemente, a formação de novas memórias.”– quando os animais foram tratados com um medicamento anti-inflamatório (infliximabe) ou com um antibiótico (minociclina), capazes de impedir esta ação das micróglias, recobraram a memória rapidamente (com cerca de uma semana de tratamento), mesmo estando ainda infectados.

O estudo publicado hoje na revista científica internacional Nature Communications, ressalta a necessidade de se avaliar problemas de memória e de controle motor como possíveis consequências da doença causada pelo vírus da Zika em pacientes adultos. Além disso, ainda que não exista tratamento específico para infecção por esse vírus, esses achados trazem uma perspectiva promissora de que os sintomas neurológicos associados a infecção possam, um dia, ser contidos por meio do controle da inflamação.

Fonte: Figueiredo et al., Nature Communications, 2019. https://doi.org/10.1038/s41467-019-11866-7

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