A capa da Science essa semana trouxe o resultado de um experimento inusitado. Afinal, o que aconteceria com nosso corpo após um ano viajando no espaço? E um filme estrelado pela Jennifer Lawrence em 2016 também explorou essa ideia. Em “Passageiros”, seres humanos ficavam confinados à uma espaçonave por anos com o intuito de viajar à um planeta próximo e viver por lá ou retornar à Terra num futuro. Mas o quanto dessas ideias podem de fato vir a se concretizar? A verdade é que cada vez mais perto a humanidade está de fazer viagens ao espaço como forma de turismo. Dados sobre viagens espaciais mostram que até o presente momento cerca de 559 humanos já experimentaram uma viagem ao espaço. E várias companhias privadas já planejam e constroem espaçonaves abertas ao publico, com viagens planejadas para os anos de 2020 e 2030… Sim, esse é um futuro muito próximo da humanidade. Mas como a ciência está se mobilizando para compreender os efeitos que a viagem no espaço possui em nosso corpo?

A viagem espacial apresenta diversos fatores estressantes, não só a viagem em si (que apresenta risco de vida na ida e na volta), mas também o isolamento que astronautas são submetidos em suas viagens, a alteração na força da gravidade e seu efeito em nosso corpo, a radiação emitida e altos sons que constantemente afetam o viajante. Para estudar isso um grupo de pesquisadores de diversas partes dos Estados Unidos juntou forças e em colaboração com a NASA, levou um astronauta ao espaço por um período de um ano. O astronauta foi submetido a testes antes e após sua viagem espacial, e o estudo em questão utilizou um controle inusitado para seus experimentos: o irmão gêmeo idêntico que o astronauta possuía. O mesmo permaneceu todo o período de um ano na Terra e seus resultados foram comparados à de seu irmão.

Os cientistas coletaram urina, sangue e realizaram estudos comportamentais e fisiológicos para entender as extensões das alterações da viagem. Do sangue foram isolados diferentes células imunes, e a viagem espacial não alterou sua proporção ou quantidade no sangue. A viagem também não alterou como o indivíduo respondia a uma vacinação, como a vacina da gripe – ou seja, sem alterações imunes observáveis no geral. Porém, quando o DNA dessas células foi isolado e analisado constatou-se que os telômeros das células haviam aumentado após a viagem espacial e retornado ao normal após 48h na Terra. Mas o que isso significa? Os telômeros são simplesmente sequências de DNA presentes no final do nosso material genético, com o intuito de proteger o mesmo. Toda vez que uma célula se divide seu telômero diminui de tamanho, e existem proteínas dentro das células que são responsáveis por alongar essas sequências de telômeros e evitar degradação do DNA (Figura 1, abaixo). À medida que envelhecemos porém esse sistema apresenta cada vez mais falhas e os telômeros vão reduzindo gradativamente de tamanho. Esse é um dos motivos que a ciência usa para explicar nosso envelhecimento. O fato da viagem ter aumentado o tamanho dos telômeros  nos diz algo sobre como estar no espaço e confinado em um local de baixa gravidade afeta um dos parâmetros que determina nosso envelhecimento.

neuropod no espaço

Outro parâmetro avaliado no DNA do viajante ao espaço foi o número de mutações que o DNA do indivíduo apresentava. A viagem espacial aumentou o número de mutações no DNA do indivíduo após a viagem. E diferente do aumento transiente apresentado pelos telômeros, as mutações no DNA continuaram a aumentar após o retorno à Terra. O número de mutações no DNA também é um dos parâmetros que afeta diretamente o envelhecimento e a fisiologia das células. Tudo produzido pelas células para seu funcionamento é feito a partir do DNA, portanto mutações no mesmo afetam a sua biologia, culminando com seu mal funcionamento. Para se ter uma ideia da gravidade desse aumento de mutações, o câncer nada mais é do que uma célula que adquiriu um grande número de mutações no DNA e alterou seu funcionamento. E a viagem espacial de longo-prazo aumenta o número de mutações.

Para as alterações fisiológicas, já se sabia ao investigar astronautas em viagens mais curtas como a musculatura e o sistema cardiovascular poderiam estar afetados. E alterações similares foram encontradas nesse indivíduo. Houve um aumento no débito cardíaco e uma redução na pressão arterial média. Em termos de inflamação, houve um aumento na inflamação presente após a viagem espacial, além de perda de massa corporal.

Para medir a cognição, o astronauta passou por um ultrassom cerebral e uma bateria de testes cognitivos. Ultrassom mostrou alterações cerebrais, com edema ocular, ou seja acúmulo de líquido na região da cavidade do olho. O que também pode ser explicado com as alterações anteriores de aumento inflamatório e alterações vasculares. Para medir a cognição o indivíduo passou por testes comportamentais (10 ao todo) antes e após a viagem espacial. Cada teste possuía o objetivo de medir algum parâmetro de sua cognição: sua capacidade de se orientar no espaço, sua acuidade motora (seu controle do sistema motor), acuidade visual em tarefas de aprendizagem (seu controle do sistema visual e sua capacidade de aprendizagem), reconhecimento emocional, dentre outros. Para se ter uma ideia de como essas atividades cognitivas são avaliadas em humanos vamos utilizar o exemplo da tarefa de reconhecimento emocional. Essa atividade consistia em observar em uma tela de computador uma foto de um indivíduo e responder que tipo de emoção o rosto expressava, dentre as alternativas apresentadas. Se o indivíduo estivesse sorrindo se deveria selecionar que ele se encontrava feliz; se ele expressasse medo, se deveria selecionar que o indivíduo estava assustado e assim sucessivamente. Após a viagem espacial o astronauta apresentou um declínio cognitivo em todas as tarefas a que foi submetido – inclusive na simples tarefa de identificar emoções em humanos. Seu irmão gêmeo que ficou na Terra realizou as mesmas atividades cognitivas antes e após um ano, sem apresentar alterações em seu desempenho.

Em conclusão, o estudo aponta que a maioria das alterações observadas retornaram ao normal após algum tempo, o que indica que os efeitos da viagem espacial podem ser transitórios. Apesar disto, o declínio cognitivo não voltou ao normal e como astronautas necessitam de sua cognição intacta durante uma missão espacial, principalmente em longas viagens isso demonstra o quão prejudicial passar muito tempo no espaço pode vir a ser. Como o estudo foi realizado em apenas um indivíduo, mais pesquisas precisam ser feitas com viagens espaciais a longo-prazo para se confirmar as alterações observadas. Mas baseado no que foi descrito aqui, você teria coragem de fazer uma viagem espacial como turista no futuro?

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The NASA Twins Study: A multidimensional analysis of a year-long human spaceflight. Francine E. Garrett-Bakelman et al., Science 2019.

Human telomere biology: A contributory and interactive factor in aging, disease risks, and protection. Blackburn et al., Science 2015.

Créditos da imagem: NASA

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