Semana passada, 22 a 25 de agosto, aconteceu a reunião da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNec) e nós estávamos lá! No segundo dia de reunião, Dr. Alexis Baily da Universidade de Londres Saint George falou sobre suas recentes pesquisas no tratamento de vícios.

Doenças psiquiátricas, como a depressão maior, transtorno bipolar ou mesmo o autismo, compartilham uma característica: a dificuldade de manter laços sociais e o consequente isolamento. Ao mesmo tempo, pessoas que sofrem com vícios tornam-se também mais vulneráveis a desenvolver transtornos psiquiátricos e vice-versa. Quando o paciente busca ajuda médica para tratar seu vício, durante a abstinência, ele pode apresentar diversos sintomas emocionais e até de memória, que se assemelham a um quadro de depressão. Esses sintomas são duradouros, podem durar um ano ou mais e estão muito relacionados às recaídas. Assim como com pacientes deprimidos, é importante que o paciente que busca superar um vício fortaleça as suas relações sociais, por meio de amizades, apoio familiar e do trabalho, por exemplo. Isso facilita muito o tratamento e diminui o risco de recaída. Pois bem, quais seriam os mecanismos neurais por trás disso?

A oxitocina ficou conhecida como o hormônio do amor porque regula emoções relacionadas ao amor, empatia e vínculo social. Como hormônio, tem funções no corpo todo, ela é responsável pela ejeção de leite durante a amamentação e a contração uterina no parto, por exemplo. No cérebro, ela age como um um sinal que leva uma mensagem de um neurônio para outro. A oxitocina pode ser percebida em várias regiões do cérebro que são importantes para controlar as emoções, sensação de bem-estar, confiança e tranquilidade. Em roedores, ela foi relacionada ao comportamento monogâmico. Pacientes com depressão, transtorno bipolar ou autismo, por exemplo, possuem alterações nos níveis de oxitocina. Será que isso também aconteceria no cérebro com vício?

Para responder a essa pergunta, o grupo do Dr. Baley estudou o vício do ópio, substância que dá origem a morfina e a heroína. Ele tratou roedores com ópio por tempo suficiente para causar vício, depois retirou a droga para simular o período de abstinência. Esses roedores começaram a apresentar sintomas emocionais semelhantes aos dos pacientes em tratamento para vício em drogas, comportamentos semelhantes a depressão, ansiedade e até mesmo de isolamento social.

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Para avaliar a sociabilidade dos camundongos, os pesquisadores usam uma caixa como essa. Ela é separada em três compartimentos, o camundongo em teste pode andar livremente por todos eles. Em um dos compartimentos é colocado outro camundongo dentro de uma gaiola (esquerda na figura). Um camundongo saudável, tende a passar mais tempo no compartimento que tem o outro camundongo na gaiola, interagindo com ele conforme na imagem. Já um camundongo “antissocial” irá preferir o compartimento com a gaiola vazia.

Os camundongos com a abstinência de ópio, além dos sintomas emocionais, também possuíam níveis menores de oxitocina no cérebro. Isso levou o pesquisador a formular uma hipótese: Dr. Bailey acredita que o fortalecimento de laços sociais em pacientes humanos viciados, em abstinência, leva ao aumento dos níveis de oxitocina no cérebro que, por sua vez, diminui o risco de recaídas. Se isso for verdade, restaurar os níveis de oxitocina no cérebro dos pacientes diminuiria o número de recaídas. Para testar isso, ele voltou-se novamente aos camundongos.

Primeiro ele treinou camundongos para “pedirem” a droga – bem… do jeito deles.

01_cpp_8x8.jpgOs camundongos foram colocados em um aparato como o ao lado, com um compartimento claro e outro escuro. Normalmente, eles preferem o escuro, pois são medrosos e assim se sentem menos expostos. Porém, quando entravam na parte clara, os pesquisadores lhe davam uma dose de morfina. Com o tempo, o camundongos se viciam na droga e passam cada vez mais tempo no compartimento claro, na esperança de receberem cada vez mais droga.

Para simular a abstinência, os pesquisadores então passaram a dar uma solução fisiológica para os camundongos, indenpendente de em qual compartimento eles estivessem. Com o tempo, os camundongos aprendem que não vão mais receber a droga e voltam a passar mais tempo no compartimento escuro. Mas como saber se o camundongo teria uma recaída no vício? Para isso, eles foram submetidos a um evento que os fariam buscar a droga, uma situação estressante para um camundongo: nadar. Depois de terem passado pelo período de abstinência, quando colocados novamente na caixa após nadar, os camundongos viciados voltam a “pedir” a droga, permanecendo no compartimento claro. Porém, camundongos que foram antes tratados com oxitocina não tem a “recaída” e continuam no compartimento escuro.

Os resultados em camundongos com certeza foram animadores. Mas será que funcionaria com humanos? Foram realizados, até o momento, dois testes clínicos em que pacientes com histórico de abuso de heroína receberam oxitocina intranasal. Apesar da oxitocina não ter tido efeitos tóxicos, ela não foi capaz de diminuir o desejo pela droga de forma significativa quando era dada uma “pista” (como uma imagem de alguém fumando ou algo que remetesse ao uso de drogas) para os pacientes avaliados. Entretanto, os pacientes sob o tratamento com oxitocina demonstraram cada vez menos desejo pela droga, enquanto os que receberam placebo, (comprimido sem efeito), aumentavam o anseio por ela com o avanço do tratamento. Mais testes são necessários, talvez com outras doses e esquemas de tratamento teria-se mais sucesso.

Ainda, a oxitocina tem sido também avaliada para distúrbios alimentares, como anorexia nervosa, bulemia, obesidade e a compulsão por alimentos. Todos esses distúrbios tem em comum um componente psicológico e de estresse social. Por ter efeitos nos centros de prazer e bem-estar cerebrais, ela ajuda a na terapia psicossocial dos pacientes. Os resultados até agora são promissores, mas cuidado, muitos testes ainda são necessários! Sabe-se que ela pode desencadear efeitos adversos, tais como: problemas nos rins, coração e, a longo prazo, pode aumentar o risco de abuso de álcool.

Fontes:

Zanos et al., Neuropsychopharmacology, 2014. doi:  10.1038/npp.2013.285.

Zanos et al., Bt J Pharmacol. 2018, doi: 10.1111/bph.13757.

Georgiou et al., Eur. Neuropsychopharmacology, 2015. doi: 10.1016/j.euroneuro.2015.09.015.

Giel et al., Curr. Neuropharmacol., 2017, doi: 10.2174/1570159X15666171128143158.

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